domingo, 8 de maio de 2011

Belo Monte, Moção de Repúdio

MOÇÃO DE REPÚDIO Nº   04/2011

A geração de energia é vital para a humanidade. O homem não teria sobrevivido se visse a natureza apenas como um celeiro, colhendo o que não plantou, pois sua fragilidade física haveria de transformá-lo em presa fácil das demais espécies, desde as feras capazes de devorá-lo até os insetos que lhe transmitem doenças. Para que a humanidade sobrevivesse, foi preciso que domasse o fogo – a mais básica das formas de energia. O domínio do fogo, como revela o mito grego de Prometeu, representa o batismo da cultura, a capacidade do homem de construir civilizações.
Por isso, não podemos deixar que essa chama vital da humanidade – a capacidade de gerar energia a partir da natureza – seja transformada em instrumento de destruição do mundo. Mas é o que tem ocorrido ao longo do último século, quando o consumismo desenfreado contrapôs civilização e natureza, levando a humanidade a dilapidar os recursos naturais para produzir energia. Carvão, petróleo, gás, turfa, madeira, água – nada basta para satisfazer a sociedade contemporânea, cada vez mais veloz em sua sanha de consumo.

 
Na contramão do mundo da natureza descrito pelo químico Lavoisier, pode-se dizer que no mundo da cultura moderna nada se aproveita, nada se recria, tudo se descarta. Esse dispêndio sem limites, que se acelera exponencialmente, exige cada vez mais energia para ser mantido. E, no caso do Brasil, falar em energia é pensar em hidrelétricas – a energia gerada a partir da água. O país tem abundância de grandes rios, por isso, o governo brasileiro decidiu construir mais uma grande usina hidrelétrica, que terá imenso impacto social e ambiental. Trata-se da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Rio Xingu, no Estado do Pará.
Há muito a Bacia do Xingu desperta interesse econômico. Estudos da Eletronorte, elaborados entre 1975 e 1980, calcularam em 22 mil megawatts o potencial hidrelétrico da bacia. Essa fonte potencial de energia concentra-se na magnífica região da Volta Grande do Xingu, onde o rio sinuoso, contorcendo-se sobre o seu próprio curso, parece indeciso quanto ao seu destino, ora guinando para o leste, ora voltando-se para o sul, até decidir marchar em direção ao Amazonas, do qual será um dos maiores afluentes. É aí que será instalada a Usina de Belo Monte, aproveitando uma queda d’água de 96 metros de altura.
Em face dos protestos de ambientalistas, comunidades indígenas e personalidades internacionais, como o cantor Sting, a previsão inicial de se construírem seis usinas na Bacia do Xingu foi remodelada em 1994 e o projeto de construção da Usina de Belo Monte foi revisto, com o objetivo de reduzir a área da represa e evitar a inundação das terras indígenas. Em 2008, diante de todos esses protestos, o Conselho Nacional de Política Energética definiu que somente a Usina de Belo Monte seria construída na região – o que não resolve o problema, pois os danos ambientais continuarão sendo imensos.
Na Bacia do Xingu vivem 28 etnias indígenas e estima-se que a obra provocará o deslocamento de pelo menos 20 mil pessoas (população superior à de 73% dos municípios brasileiros, segundo o Censo 2000). O município de Altamira, hoje com 105 mil habitantes, poderá sofrer uma repentina explosão demográfica, tornando-se um problema urbano no coração da Amazônia, pois estima-se que 320 mil pessoas serão direta ou indiretamente afetadas pelas obras da usina na própria Altamira e cidades vizinhas.
Além desse drama humano, representado pelo desenraizamento de etnias indígenas, a obra poderá resultar numa verdadeira tragédia ambiental. Só a terra que será retirada para a escavação de canais representa 210 milhões de metros cúbicos, quase o mesmo volume retirado para a construção do Canal do Panamá. A previsão é que sejam derrubados 238 hectares de vegetação, o que significa 2,38 milhões de metros quadrados de área verde devastada apenas para a instalação de acampamento, canteiro industrial e área de estoque de madeiras. E na região há 440 espécies de aves, 259 espécies de mamíferos e 387 espécies de peixes, que poderão sofrer uma drástica redução.
Mesmo assim, em fevereiro de 2010, o Ibama concedeu a licença ambiental para a construção da Usina de Belo Monte. Segundo noticiou a imprensa, a decisão resultou de uma verdadeira queda de braço entre o poder e a ciência, em que a vontade política do governo de plantão prevaleceu sobre as razões técnicas de um painel de especialistas. Tudo indica que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva – com a mesma obsessão por obras faraônicas do governo militar – pressionou o Ibama para que o órgão fornecesse a licença ambiental, apesar de não haver estudos conclusivos sobre o impacto socioambiental da obra.
Como se não bastassem os alertas sobre os danos ambientais que a obra irá causar, pairam dúvidas sobre sua real importância econômica. A capacidade de geração de energia da usina foi estimada em 11 mil megawatts, mas a energia firme que ela será capaz de gerar ao longo do ano deve cair para bem menos da metade, em torno de 4 mil megawatts. Além disso, será uma energia para exportação, que não servirá para as populações da Volta Grande do Xingu, justamente as mais prejudicadas, uma vez que a mão-de-obra a ser empregada na construção da usina é temporária, já os problemas sociais e ambientais gerados por ela serão permanentes.
Até o setor privado parece desconfiar da importância econômica de Belo Monte. Enquanto o governo federal estima o custo da obra em cerca de R$ 19 bilhões, o setor privado calcula que pode chegar a R$ 30 bilhões. Por isso, às vésperas do leilão da usina, realizado em abril de 2009, duas das maiores empreiteiras do país, Odebrecht e Camargo Corrêa, desistiram de disputar o leilão, obrigando o governo a mobilizar os fundos de pensão das estatais e organizar um consórcio às pressas para garantir a concorrência pública, segundo noticiou a imprensa. E, de quebra, o BNDES vai financiar 80% da obra – mais um sintoma de que o setor privado parece não acreditar na viabilidade econômica do empreendimento.
Mesmo com todos esses gravíssimos senões, a construção da Usina de Belo Monte parece ter-se tornado um fato consumado – encampado pela presidente Dilma Rousseff. Nem por isso merece menos repúdio, pois Belo Monte simboliza uma obsessão histórica dos governos brasileiros – a ânsia por transformar água (H2O) numa molécula financeira feita de cifrão ($) e megawatts (MW). É como se todo grande rio não fosse um ecossistema vivo, mas uma fonte de lucro, pronto para virar hidrelétrica.
Essa obsessão já causou a inundação de mais de 34 mil quilômetros quadrados no país, segundo o Movimento dos Atingidos pelas Barragens. Com isso, 200 mil famílias – cerca de 1 milhão de pessoas – foram obrigadas a se deslocar de seu local de moradia, feito refugiados de guerra, para dar lugar a hidrelétricas.
Os partidários de Belo Monte alegam que o Brasil ainda está longe de explorar todo o seu potencial hidrelétrico, estimado em 260 mil megawatts, e defendem a construção de outras grandes usinas, quando o correto é investir em pequenas usinas de até 30 megawatts, que apresentam menor impacto socioambiental.
Também merecem atenção as formas alternativas de energia, como a eólica, cujo potencial estimado no Brasil é de 28.900 MW. Ou a energia solar, cujo potencial é praticamente infinito. O professor Celio Bermann, doutor em planejamento energético pela Unicamp e professor da USP, estima que se apenas a área do reservatório da usina de Itaipu (1.350 quilômetros quadrados) fosse recoberta com painéis solares fotovoltaicos, eles gerariam toda a energia consumida no país (330 bilhões de quilowatts/hora).
A biomassa é outra grande fonte de energia, cuja tecnologia o Brasil domina desde o Pró-Álcool, na década de 70. E essa energia depende de dois fatores, ambos abundantes no país: terra fértil e insolação. Segundo os especialistas, se apenas 10% da área degradada da Amazônia (cerca de 70 milhões de hectares) fosse reflorestada com dendê, o Brasil tornar-se-ia o maior produtor de biodiesel do mundo. Também o bagaço de cana pode representar a geração de outros 4 mil megawatts de energia elétrica.
O próprio sistema elétrico do país, com investimentos em qualidade, pode ser uma fonte adicional de energia sem ter que construir grandes hidrelétricas. Estima-se que bastaria reduzir as perdas no precário sistema de transmissão de energia elétrica do país, estimadas em 15%, para economizar, anualmente, 33 milhões de megawatts/hora, o que dispensaria, com folga, a construção de Belo Monte.
Isto posto é que a Câmara Municipal de Sorocaba manifesta Repúdio à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Bacia do Xingu, por entender que se trata de uma obra socialmente equivocada, ambientalmente daninha e economicamente duvidosa, além de simbolizar a obsessão do governo federal em transformar os grandes rios do país em hidrelétricas faraônicas, como se não houvesse outras formas sustentáveis de geração de energia, ainda mais neste privilegiado continente que é o Brasil.
Sendo aprovada a presente Moção, dê-se ciência à Excelentíssima Presidente da República, Dilma Rousseff; ao presidente do Senado Federal, senador José Sarney, ao presidente da Câmara dos Deputados, deputado Marco Maia, ao Ministério do Meio Ambiente, ao Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), ao Movimento dos Ameaçados por Barragens(MOAB), ao Greenpeace, ao Avaaz, e ao WWF-Brasil.

S/S, 24 de março de 2011

Ver. João Donizeti Silvestre 
                                                  

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